O relatório da ONU em parceria com o Brasil “Violências contra mulher na internet: diagnóstico, soluções e desafios” realizado em 2017 no Fórum da Internet tem contribuído para estabelecer e mapear as diferentes manifestações de violência nos meios digitais, nos quais discursos agressivos tentam calar vozes e anular liberdades de meninas e mulheres por todo o Brasil.  O documento é resultado de reuniões e debates entre redes de organizações, coletivos, advogadas, juristas, ativistas dos direitos humanos, direitos digitais e direitos sexuais e reprodutivos.

 

Combater a brutalidade na internet é cada vez mais importante, mas ainda existem pelo menos dois grandes obstáculos: (1) a identificação de mensagens ofensivas (o que pode ser considerado discurso de ódio?); (2)  quais são as soluções para esse problema do ponto de vista jurídico.  O relatório mostra que a justiça continua inacessível para algumas vítimas por questões socioeconômicas. E quando essas mulheres conseguem atendimento, enfrentam outros tipos de preconceito, como racismo e homofobia.

 

O documento destaca que a violência contra mulheres e  identidades não heteronormativas e não binárias no Brasil é histórica e tende a atingir pessoas não mobilizadas ou engajadas na luta contra a discriminação. De acordo com o relatório, o conservadorismo em relação às questões de gênero e sexualidade possui raízes profundas na matriz religiosa dos colonizadores, pois o cristianismo teria negado autonomia às mulheres.

 

Grande parte dos ataques podem provocar danos morais e materiais. Por exemplo, disseminar ou ameaçar divulgar imagens íntimas pode ser enquadrado em vários atos ilícitos, como ameaça, extorsão, exposição da intimidade e exposição de dados pessoais. Dados de violência e discriminação contra a mulher na internet da ONG SaferNet mostram que as denúncias saltaram de 961 em 2017 para 16.717 no último documento, de 2018.

 

Algumas importantes reflexões são ressaltadas ao final do relatório:

  • Assim como todos os direitos, o direito à liberdade de expressão não é absoluto e está balizado por outros direitos, como o da não discriminação.
  • Algumas plataformas não têm dado espaço para diferenças culturais em seus termos de uso, e estes têm sido usados para impedir a livre circulação de ideias relativas a gênero, direitos sexuais e reprodutivos que destoam dos padrões heteronormativos, machistas e racistas construídos historicamente.
  • Proteção da privacidade e pseudo-anonimato são instrumentais também para a proteção de mulheres que são mais vocais nessas plataformas.
  • Qualquer resposta à questão deve considerar o caráter multissetorial de governança da rede, principalmente em um país onde o acesso à justiça e desigualdades de gênero, raça e classe, tornam bastante difícil a resolução de conflitos através de ferramentas judiciais.

 

Por Kátia Gaspar (Universidade Estácio de Sá – Brasil)

 

O relatório completo pode ser acessado aqui:

http://www.internetlab.org.br/wp-content/uploads/2017/11/Relatorio_ViolenciaGenero_ONU.pdf

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